Terapia Infantil e Parentalidade: Quando o Cuidado Vai Além do Sintoma
- Angelo A. Lopes
- 4 de jul.
- 5 min de leitura
Muitos pais procuram acompanhamento psicológico para seus filhos quando percebem que eles estão enfrentando desafios emocionais, comportamentais, escolares ou relacionados ao desenvolvimento.
Essas demandas podem envolver desde crises de ansiedade, dificuldades na escola, agressividade, até alterações no sono, na alimentação ou no humor. As causas, no entanto, são diversas: podem ter origem emocional, fisiológica, neurológica, congênita ou estar relacionadas a fatores ambientais.
Em muitos casos, a forma como essas dificuldades se manifestam e evoluem está profundamente ligada ao ambiente familiar, o qual, por sua vez, é atravessado por fatores sociais, culturais e históricos — espelhando o momento em que vivemos. Por isso, compreender a dinâmica da família costuma ser um passo essencial no processo terapêutico, já que ela pode influenciar — tanto positivamente quanto negativamente — o bem-estar da criança.
Ao longo do acompanhamento, o terapeuta frequentemente percebe que não basta olhar apenas para a criança: é necessário compreender como os membros da família se relacionam entre si, pois isso influencia diretamente nas queixas apresentadas. Ao propor, então, que as mudanças envolvam todo o ambiente familiar — e não apenas o comportamento da criança —, é comum surgirem resistências. É desafiador para muitos pais admitir que suas atitudes, mesmo sem intenção, podem estar impactando o bem-estar emocional dos filhos. Além disso, a criação dos filhos frequentemente parte de um ideal — do que os pais desejam ou esperam que eles sejam — e esse ideal nem sempre se alinha com a realidade da criança, o que pode gerar frustrações e conflitos.
A Resistência dos Pais: O Medo de Encarar o Próprio Papel
Diante da proposta de mudança familiar, é comum que os pais vivenciem sentimentos ambíguos. Por um lado, desejam aliviar o sofrimento do filho; por outro, sentem-se atingidos ao perceber que o funcionamento da família pode estar contribuindo para esse sofrimento. Muitas vezes, essa percepção ativa sentimentos de culpa, vergonha ou fracasso — e é justamente aí que a resistência se instala. A psicoterapia, no entanto, não opera na lógica da culpa, mas sim da escuta e da reconstrução. Reconhecer falhas, rever atitudes e abrir espaço para o novo são gestos de coragem e maturidade emocional.
Além disso, é preciso considerar que a parentalidade na contemporaneidade está atravessada por múltiplas exigências. Mães e pais se veem pressionados a desempenhar com excelência papéis diversos — profissionais, conjugais, sociais — ao mesmo tempo em que tentam corresponder ao ideal do “bom cuidador”. Esse ideal, frequentemente inalcançável, pode levar ao adoecimento emocional e à perda do sentido genuíno da presença afetiva. Mais do que perfeição, o que as crianças precisam são de adultos dispostos a aprender, reparar e crescer com elas. Afinal, são as atitudes cotidianas e a forma como os pais se relacionam que, muitas vezes de forma inconsciente, acabam servindo de modelo para os filhos.
O Poder do Exemplo: Como os Filhos Imitam os Pais
Desde muito cedo, as crianças observam e internalizam o mundo ao seu redor, especialmente os comportamentos dos pais. Elas aprendem não apenas com o que ouvem, mas com o que vivenciam. O modo como os pais expressam emoções, resolvem conflitos e lidam com frustrações serve como espelho para os pequenos. No entanto, em muitos lares, a rotina corrida, as exigências do trabalho e a pressão por produtividade acabam comprometendo o tempo e a qualidade da atenção disponível para os filhos.
Essa indisponibilidade emocional, ainda que não intencional, pode ser percebida pela criança como negligência afetiva, afetando sua autoestima e a segurança emocional. Por exemplo, se os pais lidam com o estresse de forma equilibrada, os filhos têm mais chances de desenvolver estratégias semelhantes. Por outro lado, se há explosões emocionais, silêncios hostis ou evitamento de conflitos, é provável que a criança adote posturas parecidas — o que pode impactar negativamente sua autoestima, sua relação com os outros e até seu desempenho escolar ou social.
O Caminho para a Mudança
Compreender não apenas o que a criança expressa, mas também o que está por trás de suas atitudes — medos, inseguranças, frustrações —, favorece a mudança. A terapia infantil não atua apenas sobre o sintoma visível, mas busca compreender o que ele representa na vida emocional da criança e de sua família. Nesse processo, muitas vezes, os pais também se reconhecem, revisitam suas próprias histórias e passam a enxergar o filho não como um “problema a ser resolvido”, mas como um ser em desenvolvimento, que precisa de apoio, presença e afeto. A psicoterapia se torna, assim, um espaço de escuta, acolhimento e reconstrução de vínculos, onde é possível olhar com mais gentileza para a dor, para os erros e para o desejo de acertar. Mais do que buscar um “comportamento ideal”, a proposta é ajudar a criança a se sentir compreendida, pertencente e segura para ser quem ela é — e para continuar crescendo de forma saudável.
A divisão desigual das tarefas parentais também precisa ser considerada. Na maioria das vezes, recai sobre as mulheres a sobrecarga do cuidado e da gestão emocional da casa, mesmo quando elas também estão inseridas no mercado de trabalho. Essa expectativa de desempenho absoluto em todas as áreas — o trabalho, a maternidade, a vida pessoal — leva muitas mulheres ao adoecimento emocional. Já os homens, por sua vez, enfrentam um desafio identitário importante: rever o papel de pai implica também repensar o que é ser homem em uma sociedade que os criou para o distanciamento emocional e a não implicação com os cuidados.
A Mudança Começa em Casa
A infância é uma fase de construção emocional intensa. Quando essa construção acontece em um ambiente que acolhe, escuta e se transforma junto com a criança, os efeitos se estendem para toda a vida. Por isso, a jornada terapêutica não é apenas da criança — é de toda a família que escolhe crescer junto. Reconhecer isso já é um passo importante para que o cuidado vá além do consultório e se transforme em atitudes no cotidiano, no olhar mais atento, nas palavras mais doces, na presença mais verdadeira.
Por fim, é essencial que a sociedade também assuma a sua parte na tarefa de cuidar da nova geração. Delegar exclusivamente aos pais — especialmente às mães — a responsabilidade total pela formação emocional dos filhos é uma forma de negligenciar o papel das instituições, do Estado, das empresas e da coletividade. Culpabilizar os pais é, muitas vezes, uma maneira de se desresponsabilizar socialmente. Não basta esperar que a família dê conta sozinha: quando o cuidado com a criança se torna uma responsabilidade compartilhada entre cuidadores, instituições e sociedade, favorecemos o desenvolvimento de sujeitos mais preparados emocionalmente, capazes de transformar a coletividade em um lugar mais justo e sensível.
Por isso, é importante reconhecer que a criança que chega à clínica com sintomas não expressa apenas conflitos individuais ou familiares. Ela é também o reflexo de um tempo, de uma cultura, de uma sociedade marcada por excessos, exigências e ideais inalcançáveis. O sintoma, nesse sentido, pode ser compreendido como uma resposta legítima a um contexto que cobra perfeição, esconde fragilidades e idealiza infâncias impecáveis. Pensar o sofrimento infantil é, portanto, também pensar a nossa época — e assumir, como profissionais e cidadãos, o compromisso de criar espaços mais humanos, acolhedores e possíveis para que as crianças possam simplesmente ser.
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