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Menopausa e Saúde Mental: quando o corpo fala, mas ninguém escuta

  • Angelo A. Lopes
  • 15 de jul.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 16 de jul.

Muitas mulheres chegam à terapia sem saber exatamente o que estão sentindo. Dizem que estão cansadas, desanimadas, sem libido, sem paciência. Algumas choram com facilidade, outras se irritam por qualquer coisa. Sentem-se estranhas dentro do próprio corpo — como se algo tivesse mudado, mas não soubessem nomear o que é. Por vezes, descrevem sensações de vazio, crises de choro, insônia, dificuldade de concentração, falhas de memória, aumento da ansiedade e um desânimo que chega sem motivo aparente. Muitas dizem: “parece que não sou mais eu”. Outras relatam que perderam a alegria de viver, que não têm mais ânimo nem mesmo para as pequenas coisas do dia a dia.


Quando perguntamos há quanto tempo estão assim, muitas respondem que esses sintomas começaram depois dos 45, 48, 50 anos. E quase sempre associam esse mal-estar a alguma perda, uma mudança de rotina, à saída dos filhos de casa ou a conflitos conjugais. Nem sempre percebem que o corpo também está falando — e que esse corpo atravessa uma profunda transformação.


A menopausa é um marco biológico, mas seus efeitos não se limitam ao físico. Ela desorganiza, interroga e confronta a mulher em múltiplas dimensões: hormonais, subjetivas, sociais, existenciais e relacionais. E, muitas vezes, o sofrimento que ela provoca é invisibilizado — tanto pela medicina, que nem sempre acolhe de forma integral, quanto pelo discurso social, que silencia ou reduz a experiência feminina a funções como sangrar, gerar e servir.


Por trás desse silêncio, existe um histórico de controle sobre o corpo da mulher — um corpo que, ao longo do tempo, foi vigiado, regulado e moldado por expectativas alheias: ser fértil, ser bela, ser desejável, ser útil. Quando ele começa a escapar dessas normas, muitas mulheres se sentem perdidas, desautorizadas, como se já não coubessem mais no papel que o mundo lhes deu.


Essa invisibilização, no entanto, não se limita à cultura ou à medicina. Ela também pode ocorrer dentro da própria saúde mental. É comum que psicólogos se concentrem no simbólico, no inconsciente, nas construções subjetivas do sofrimento — considerando que toda dor é fruto de conflitos psíquicos ou relacionais. No entanto, isso pode fazer com que deixem de escutar o corpo em sua concretude biológica. Como se a dor não pudesse nascer também de um desequilíbrio hormonal, de uma transformação fisiológica, de um luto silencioso do corpo. Esse viés reducionista precisa ser superado para que o cuidado seja verdadeiramente integral — corpo e psiquê em diálogo, e não em oposição.

 

O construto "mulher" e a armadilha das expectativas


Desde muito cedo, o feminino é moldado por papéis que, muitas vezes, não foram escolhidos pela própria mulher. Espera-se que ela seja doce, acolhedora, forte, sensual, resiliente e sempre disponível. Mãe, esposa, cuidadora. Ao longo da história, o imaginário social entrelaçou a identidade feminina à função materna, ao desejo do outro, à estética do corpo jovem e à sexualidade a serviço do prazer alheio.


Assumir o lugar de “mulher” ainda carrega o peso de um roteiro preestabelecido. E esse fardo se intensifica com o tempo. A chegada da menopausa, nesse contexto, funciona como um rompimento simbólico: o corpo que não menstrua mais passa a ser visto como um corpo fora do padrão — nem fértil, nem sedutor. A mulher, sob essa lógica, deixa de atender às expectativas de uma sociedade que mede valor pelo desempenho e pela juventude.

 

Mais que sintomas: escutar o corpo com atenção


Compreender a menopausa exige mais do que interpretar sinais clínicos ou alterações hormonais. É necessário reconhecer esse corpo como um território de experiências, afetos e memórias — um corpo que sente, deseja, sofre e comunica. Mas escutar não é o mesmo que reduzir. A mulher não é apenas um sistema hormonal em transformação; ela é também história, contexto, cultura e desejo. Por isso, o cuidado não pode ser apenas clínico, nem apenas simbólico — precisa ser integral, atento à complexidade de tudo o que nela pulsa.

 

Corpo e psiquê: uma via de mão dupla


Mas o que acontece dentro dessa mulher? A queda dos níveis de estrogênio e progesterona afeta diretamente a química cerebral. Há alterações na produção de neurotransmissores como serotonina, dopamina e noradrenalina, que influenciam o humor, o sono, o apetite, o desejo sexual e a disposição. Ou seja, o que se sente não é frescura, nem drama — é efeito concreto de uma transformação hormonal profunda.

Na clínica, vemos como o corpo e a subjetividade se entrelaçam. Sintomas físicos são, muitas vezes, expressão de conflitos internos. E, inversamente, alterações biológicas podem intensificar angústias psíquicas. Uma mulher em menopausa pode apresentar ondas de calor, cansaço e insônia — mas também pode estar atravessando um luto simbólico pela perda da fertilidade, o medo do envelhecimento ou a sensação de esvaziamento de identidade e função social.


Em muitos casos, surgem conflitos conjugais. A libido diminui, a disposição sexual muda, o corpo já não responde como antes. E isso é vivido, por muitas, com culpa ou vergonha. Algumas mulheres fingem desejo para não decepcionar o parceiro. Outras se fecham, evitam o toque, se sentem inadequadas. A menopausa toca, assim, a sexualidade, a autoimagem, o amor-próprio — e tudo isso precisa ser falado, escutado, elaborado.

 

Escuta clínica e cuidado integral


Nem toda tristeza nessa fase é depressão. Nem todo cansaço é preguiça. Nem toda irritação é mau humor. É preciso escuta. Olhar. Acolhimento. Uma abordagem que considere a complexidade da experiência feminina, integrando corpo e mente, história e cultura, hormônios e desejos, perdas e reconstruções.


A psicoterapia pode ser um espaço potente para esse atravessamento. Um lugar onde a mulher se reconcilia com a própria história, ressignifica seus papéis e constrói um novo modo de existir — menos pautado na expectativa alheia e mais ancorado em sua própria verdade.


A menopausa não é o fim. É travessia. Pode ser dolorosa, confusa, solitária. Mas também pode ser um convite à liberdade. Um tempo de escutar o próprio corpo com mais gentileza. De se libertar do que aprisiona. De se reinventar — com a maturidade e a força que só quem atravessou a vida sabe que tem.

 

 
 
 

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