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Ninguém Muda Ninguém

  • Angelo A. Lopes
  • 27 de jun.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 4 de jul.

Nos momentos de angústia e frustração nas relações, uma das maiores fontes de sofrimento humano é esperar que o outro nos complete. Esperamos que ele supra nossas carências, atenda às nossas expectativas, adivinhe nossas necessidades, se comporte conforme imaginamos que ele deveria agir. Mas, e se a verdadeira chave para o alívio de tanto sofrimento estivesse em entender uma verdade simples, porém dolorosa: ninguém muda ninguém.

Essa percepção, embora desafiadora, é libertadora. Ela nos coloca em contato com uma realidade mais profunda e autêntica sobre o que podemos esperar das relações humanas — e, mais importante, sobre o que realmente podemos mudar: nós mesmos.


A Busca Impossível pela Perfeição do Outro


Desde os primeiros anos de vida, somos dependentes do outro. Na infância, essa dependência é legítima e necessária. Precisamos da presença dos cuidadores, do olhar atento, do amor, da escuta. Esse desejo, esse anseio por ser atendido e cuidado, é fundamental para o nosso crescimento emocional. Porém, ao longo da vida, muitas vezes carregamos para a vida adulta uma fantasia: de que o outro, seja parceiro, amigo, familiar ou qualquer outra pessoa, tem a responsabilidade de preencher os nossos vazios e nos dar aquilo que sentimos falta. Isso pode parecer razoável à primeira vista, pois todos nós, em algum momento, queremos ser amados, compreendidos, atendidos.

No entanto, quando o outro não corresponde às nossas expectativas, surgem sentimentos como frustração, raiva, mágoa e, em alguns casos, uma desesperança que nos arrasta para a solidão ou o desânimo. Por que isso acontece? Por que a falha do outro nos afeta de maneira tão intensa?


A Infância Prolongada nas Relações Adultas


A resposta está em um ponto crucial do nosso desenvolvimento emocional: as marcas da infância que carregamos conosco. Como crianças, nossa expectativa é de que os outros sejam responsáveis por nossas necessidades emocionais. No entanto, ao crescermos, mantemos, muitas vezes, essa fantasia, acreditando que as outras pessoas devem ser responsáveis por nos completar, por fazer com que nos sintamos plenos e satisfeitos.

Esse desejo de dependência e preenchimento emocional não é necessariamente errado; ele é apenas incompleto quando transportado para a vida adulta. O sofrimento surge quando nos recusamos a aceitar a limitação dessa fantasia, quando colocamos sobre o outro o peso de nossas necessidades emocionais não atendidas. Ao fazer isso, nos colocamos em uma posição de vítima das circunstâncias e das ações do outro, aguardando que ele mude, que ele preencha o vazio que sentimos.

 

A Transformação Interior: O Caminho da Análise


A psicanálise, e muitas outras formas de autoconhecimento, nos convidam a fazer uma profunda introspecção. Ela nos desafia a abandonar a expectativa de mudança do outro e a focar em nossa própria transformação. O processo terapêutico nos leva a questionar:


  • "Por que esperamos do outro?"

  • "O que nos angustia quando  o outro não nos oferece o que desejamos?"

  • "O que essa espera revela sobre nós?"


Esse movimento de olhar para dentro de si, em vez de projetar no outro todas as nossas expectativas e carências, é um ponto de virada emocional. Quando mudamos a pergunta de "Por que ele não faz isso?" para "Por que eu espero isso dele?", abrimos a possibilidade de transformação interior. Essa mudança de perspectiva é libertadora, porque coloca o poder de ação e mudança em nossas mãos.


Reconhecendo Nossas Necessidades e Limites


Quando olhamos para dentro, começamos a perceber que muitas das nossas carências não são falhas do outro, mas aspectos de nós mesmos que ainda precisam de atenção e cuidado. O outro não está no mundo para nos completar, mas para compartilhar a experiência da vida ao nosso lado. Ele não é o responsável por curar nossas feridas emocionais ou preencher nossos vazios — essa tarefa é nossa, e ela envolve um processo profundo de autoaceitação, compreensão e transformação.


Aceitar que ninguém muda ninguém nos permite começar a trabalhar em nós mesmos: entendemos nossas necessidades não atendidas, nossas frustrações, nossos desejos, e reconhecemos que a mudança verdadeira acontece dentro de nós. Esse reconhecimento não significa conformismo ou subserviência a relacionamentos tóxicos. Muito pelo contrário. Significa que, ao invés de buscar mudanças no outro, podemos focar em como podemos ajustar nossas próprias expectativas, nossos limites e até mesmo nossas escolhas de permanência em certas relações.


Libertando-se da Ilusão: O Autocuidado como Prioridade


Essa mudança de foco não é um processo simples, e nem sempre é fácil. Ela exige coragem para confrontar nossas próprias falhas, nossas fraquezas e as expectativas idealizadas que colocamos sobre o outro. Mas, ao fazer isso, conseguimos finalmente ter um maior controle sobre nossa própria vida emocional. Ao invés de esperar que o outro preencha o vazio que sentimos, começamos a cuidar de nós mesmos, a fortalecer nossa autoestima, a estabelecer limites mais claros e, mais importante ainda, a cultivar a capacidade de estar inteiros, sem depender da mudança de outra pessoa.


É importante entender que a análise e o autoconhecimento não estão aqui para nos oferecer respostas prontas ou soluções mágicas. O processo terapêutico é uma jornada contínua de autodescoberta, onde aprendemos a nos aceitar como somos, com nossas vulnerabilidades e nossas forças. A verdadeira transformação começa dentro de nós, e o único campo onde realmente podemos agir é em nosso próprio interior.


Conclusão: A Transformação que Esperamos Está em Nós


O caminho da transformação começa com a aceitação dessa verdade: ninguém muda ninguém. Ao focarmos em nosso próprio crescimento e cura, nos tornamos mais capazes de construir relações mais autênticas e equilibradas, sem expectativas irrealistas sobre o outro. A verdadeira mudança ocorre quando paramos de tentar mudar o mundo à nossa volta e começamos a cuidar de nosso próprio mundo interior.


Se você se vê repetindo padrões de expectativa e frustração nas relações, a terapia pode ser uma aliada poderosa nesse processo de ressignificação e libertação. Ao investir no seu autoconhecimento, você se torna capaz de estabelecer limites mais saudáveis, de compreender melhor suas próprias necessidades e de viver relações mais autênticas, baseadas no respeito mútuo e na aceitação.


Lembre-se: a única pessoa que você pode mudar é você. E a transformação que busca começa dentro de você.

 
 
 

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