Fome emocional: o desafio além da bariátrica
- Angelo Lopes
- 24 de set. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 3 de jul.
Muitos pacientes chegam ao consultório psicológico em busca do laudo necessário para a cirurgia bariátrica, acreditando que esse procedimento resolverá de forma definitiva seus problemas com a obesidade. No entanto, o processo não é tão simples quanto parece.
Antes de tudo, é importante reconhecer que a obesidade é uma condição multifatorial. Questões hormonais, genéticas, metabólicas, uso de medicamentos e até mesmo fatores sociais e ambientais podem influenciar diretamente no ganho de peso. A intervenção cirúrgica, nesse sentido, é uma ferramenta poderosa para a redução da obesidade, mas ela não atua sobre as causas emocionais que, em muitos casos, estão por trás da relação do sujeito com a comida.
É justamente sobre essa dimensão emocional e psíquica do comportamento alimentar que este texto se propõe a refletir. Porque, apesar da cirurgia modificar o corpo, os padrões emocionais que levaram ao excesso de peso frequentemente continuam presentes — ou até se intensificam se não forem compreendidos e elaborados.
O paciente já sairá do hospital pesando menos e, em poucas semanas, o resultado se torna visível. As roupas começam a ficar mais folgadas, a autoestima melhora, algumas comorbidades desaparecem e a vida volta a sorrir para ele. Mas para chegar a esse resultado, é necessária muita dedicação, resiliência e comprometimento. A bariátrica não é um processo milagroso que se faz e esquece: ela exige uma contrapartida constante do operado.
E qual seria essa contrapartida?
O sucesso da bariátrica está intimamente ligado à mudança de hábitos. Não adianta submeter-se à intervenção cirúrgica e continuar vivendo da mesma forma que antes. Mudar de hábitos não é fácil. A tendência humana é a repetição, mesmo que esta traga resultados não satisfatórios. Possuir informação é diferente de internalizar e transformar essa informação em atitude. A verdadeira mudança ocorre quando o conhecimento se traduz em prática.
Nas primeiras semanas, o paciente tende a seguir rigidamente as orientações nutricionais. Alimenta-se de forma regrada, respeitando quantidade, horários e tipos de alimento. Caso desobedeça, o corpo responde de forma imediata. O estômago, agora reduzido, não comporta os excessos anteriores. Forçá-lo, além de perigoso, é extremamente desconfortável. A dor, o mal-estar e os sintomas físicos atuam como freios naturais.
Apesar disso, muitos pacientes se deparam com um desejo incontrolável de comer. Em casos extremos, essa compulsão pode colocar a vida em risco. Surge então a fome emocional, um dos principais desafios para quem se submete à cirurgia.
Fome emocional é o nome que damos ao desejo de comer movido por emoções — e não pela necessidade fisiológica. Tristeza, solidão, ansiedade, estresse, raiva e até mesmo alegria intensa podem desencadear esse apetite simbólico. A comida funciona como anestesia emocional. É um alívio rápido para sentimentos que nem sempre se consegue nomear ou elaborar.
A cirurgia, por si só, não elimina esse padrão. Muitas vezes, o que se vê é apenas uma substituição de sintomas: sai a compulsão alimentar, entra o abuso de álcool, compras, sexo ou outras formas de escape. Por isso, o acompanhamento psicológico não deveria se encerrar com o laudo pré-operatório. Ele é um aliado essencial para ajudar o paciente a se conhecer, entender o que a comida representava em sua vida, elaborar sua história emocional e construir novos caminhos.
O corpo reflete nossos conteúdos psíquicos. O que não se resolve na mente, muitas vezes se manifesta no corpo. Esse é um dos pilares da psicossomática. A cirurgia bariátrica pode ser um marco, um ponto de virada. Mas o verdadeiro sucesso está em compreender que a mudança mais profunda é interna: está na forma como lidamos com nossas dores, desejos, frustrações e necessidades.
Cuidar da mente é, muitas vezes, o melhor caminho para cuidar do corpo. E a bariátrica pode ser a porta de entrada para esse reencontro consigo mesmo.
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